terça-feira, 5 de abril de 2011




     Literatura Barroca no Brasil

Não há um consenso quanto à primeira manifestação de uma literatura realmente brasileira. Alguns consideram o Barroco essa primeira manifestação de uma literatura realmente brasileira. Outros estudiosos preferem falar em literatura brasileira somente a partir do Romantismo, ou seja, a partir do século XVIII. Mas num aspecto todos concordam, é no Barroco que encontramos não só um o primeiro, mas um dos mais talentosos poetas brasileiros –Gregório de Matos.

O movimento Barroco compreende um longo período que se
estende de 1601, com a publicação do poema Prosopopéia, de Bento
Teixeira até meados do século XVIII (1768), com a fundação da
Arcádia Ultramarina, em Vila Rica, Minas Gerais e a publicação do livro
Obras Poéticas de Cláudio Manuel da Costa.

      A estética barroca
  A estética barroca opõe-se à estética clássica : superficie X profundidade,forma fechada X forma aberta,multiplicidade X unidade.
  O homem barroco foge das coisas e sentimentos contraditórios que envolvem a natureza humana,exaltando os valores cristãos - o homem volta se para Deus.
  Podemos encontrar dois tipos de estética barroca: a gongóricae a conceptista.
   A estetica gongórica preocupa-se com a descrição das coisas.É frequente o uso de figuras de lingugem,como antítese,a metonimia, o paradoxo,o ansídeto,a metáfora,o simbolismo,a sinestesia,a hipérbole e a  catacrese,além do uso de neologismo.Utiliza uma linguagem bem trabalhada.
   A estetica consepitista,no entanto,preocupa-se em conhecer a esência das coisas,em vez de descrevê-las(teocentrismo).Ultiliza-se mais da razão do que da emoção .Há on uso fde antíteses e de paradoxos,tornando o raciocínio mais ambíguo em busca da satisfação da inteligência.
   A linguagem barroca exagera em imagens e figuras de linguagem,preocupa-se com a aparência e epõem assuntos que envolvem a religião problemática da época,por meio do contraste de temas,assuntos ,motivos e elementos expressivos,como vida eterna X vida terena,espiritualidade X materialidade,corpo X alma,eu X mundo,cristianismo X Reforma,Deus X homem,vida X morte,religioso X profano(erotismo),real X idéal,espirito X carne,sensualismo X misticismo,realismo X idealismo,Céu X Terra _ tensão provocada pela Fé e pela Razão.
   Além da religiosidade,o artista barroco retrata também a sensualidade,tanto em relação a natureza como ao cvorpo humano.


          O estilo

A- O homem vê o mundo em constantes mudanças,sercado por valores transitóios e inconsistentes.Conflito emtre razão e fé ;sentidos e espiritos;sesualismo e misticismo.

EX:
     Nasce o sol,e não dura mais que um dia
     Depois da luz se segue a noite escura
     Emtristes sombras morre a formosura
     Em contíuas tristezas,a alegria
                          (Gregório de Matos)

B- A realiddade é aprendida atráves dos sentidos.

EX: Ninguém sufoca a voz nos seus retidos
      Da tempestade é o estrondo efeito
      Lá tem ecos a terra,o mar suspiro
                            (Gregório de Matos)

  C- Uso de frases interogativas.

 EX: Vês esse sol de luzes cocoado ?
        Em pérolas a aurora convertida?
        Vês a lua de estrelas guarnecidas ?
                           (Gregório de Matos)

  D-  Cultismo e Conceptismo

        Cultismo ou Gongorirmo:
Jogo de palavras,emprego abusivo de figuras de literáias.

  EX: So choras por ser duro,isso é ser brando
       Se choras por ser brando,isso é ser duro.
                            (Gregório de Matos)
 

   Conceptismo ou Quevedismo:
 Jogo de ideias,argumentação com o intuito de convencer e ensinar.

 EX:
    Para um homem se ver a si mesmo são     nescessárias três coisas:olhos espelho e luz.Se tem espelho é cego,não se pode ver por falta de olhos;se tem espelho e plhos,e é noite ,não se pode ver por falta de luz.Logo há mister luz,há mister espelhoe há mister olhos.
                      (Pe.Antônio Vieira)

E- As figuras de estilo mais comuns no Barroco são :

1-Metáfora:
Se és fogo,como passas brandamente?
 Se és neve,como queimas com porfia?

2-Antítese:
Reflete a contradição do homem barroco,seu dualismo.É ,talvez o elenco fundamental do Barroco.A antítese revela o contraste que o escritor vê em quase tudo.Veja como Manuel Botelho de Oliveira destaca elementos contrastantes ao descrever uma ilha:
               
Vista por fora  é pouca apetecida
 Porque aos olhos por feita é parecida;
  Porémdentro habitada
  É muito bela muito desejada,
   É como a concha tosca e deslustrosa,
   Que dentro cria a pérola formosa.

3-Paradoxo:
Corresponde á união de duas ideias contrárias num só pensamento.Por ser ilógico,o paradoxo opõe-se ao racionalismo da arte renacentista.

    Ardor em firme coração nascido;
    pranto por belos olhos deramado;
    incêndio em mares de água disfarçado;
    rio de neve em fogo convertido.
      
    Na ordem direta ,os versos ficam assim:

     Ardor nascido em firme coração;
       Pranto derramado por belos olhos;
      Icêndios disfarçados em mares de água;
       Rio de neve convertido em fogo.

4-Hipérbole:
Traduz ideia de grandiosidade ,pompa.

 É a vaidade ,Fábio,nesta vida,
Rosa,que da manhã lisonjeada,
 Púrpuras mil,com ambição dourada,
 Airosa rompe,arrasta presumida.
                             (Grégorio de Matos)
5-Prosopopeia:
Personificasão de seres inanimados para dinamizar a realidade.
 No diamante agregou-me o forte ,no cedro o incorruptível,na águia o sublime,no leão o generoso,no Sol o excesso de luz.
                       (Grégorio de Matos)




      Os principais autores literarios do  
               Barroco Brasileiro


            BENTO TEIXEIRA

Nasceu no Porto, em 1545 e faleceu a 1605, as datas são imprecisas. Desde os escritos de Abade Machado, em sua "Biblioteca Lusitana", até os recentes trabalhos de Artur Mota, todos vieram repetindo o erro histórico de que este Bento Teixeira Pinto foi o primeiro poeta brasileiro.
Rodolfo Garcia na introdução que escreveu para o segundo volume de "Visitação do Santo Ofício às Partes do Brasil coleção provou que o poeta é simplesmente israelita do Porto. Não é, portanto, brasileiro. Filho de Manuel Alvares de Barros e Lianor Rodrigues, cristãos-novos.
Emigrou com a família para a Bahia em cujo seminário se matriculou, andando de batina. Tendo-se revelado israelita fugiu para Pernambuco, desposando Filipa Raposa, vivendo como professor de gramática, latim e aritmética. Pelas acusações que lhe fizeram em 1591, na Bahia, e em 1593 em Olinda, era o homem mais culto e intelectualmente capaz em todo o Brasil. Por questões de adultério, assassinou a esposa, refugiando-se no mosteiro dos Beneditinos, graças ao direito de asilo, ainda vigente naquele tempo.
Quando se viu novamente acusado perante a Inquisição, compôs e dedicou ao governador de Pernambuco, Jorge de Albuquerque Coelho, o poema "Prosopopéia" que apareceu, em Lisboa, em 1601.
Várias obras lhe têm sido atribuídas; mas, certamente, só sabemos que escreveu o poema camoniano "Prosopopéia". Quanto à forma é pura imitação de Os Lusíadas, com versos inteiros, tirados de Camões. Quanto ao assunto, narra as peripécias de um naufrágio em que se encontrou Jorge de Albuquerque Coelho. Aproveita a oportunidade para fazer descrições da terra pernambucana. 0 seu grande mérito é todo histórico: foi o primeiro trabalho aqui feito com intuitos puramente literários.
Tudo em sua biografia, e em sua bibliografia é incerteza, escreve o crítico Múcio Leão. Julgam-no alguns pernambucano, mas corrente mais numerosa o considerava português".
Rodolfo Garcia o identifica ao cristão novo que depõe nas denunciações de Pernambuco ao Santo Ofício e se diz natural do Porto, como se vê no livro da "Primeira Visitação do Santo Ofício às partes do Brasil".
Diogo Barbosa Machado, em sua "Biblioteca Lusitana" atribuiu-lhe a autoria de três obras: "Prosopopéia", "Relação do Naufrágio" e "Diálogos das Grandezas do Brasil".
Graças às investigações de Varnhagen, verificou-se que estas duas últimas obras, em prosa, não são da autoria de Bento Teixeira. "Relações do Naufrágio" foi escrita pelo piloto da nau Santo Antônio, Afonso Luís. Os "Diálogos" segundo demonstrou Capistrano de Abreu, são da autoria de Ambrósio Fernandes Brandão.
Ficará para Bento Teixeira - sujeito de maus princípios, uxoricida, segundo Rodolfo Garcia - apenas a insulsa "Prosopopéia", cujo valor, como obra de brasileiro, pouco ou nada tem de característico, a não ser o colorido de algumas paisagens nossas, como a do "Recife de Pernambuco".


            PROSOPOPÉIA

É o único livro de Bento Teixeira, publicado em 1601. É um poemeto épico, com 94 estâncias em oitava-rima e decassílabos heróicos, obedecendo os moldes camonianos, focalizando Jorge Albuquerque Coelho, donatário da Capitania de Pernambuco e de seu irmão Duarte, quem o autor pretende exaltar. Obra de Indiscutível valor histórico onde o herói narra acontecimentos heróicos no Brasil e em Alcácer-Quibir, na África. A descrição da batalha de Alcácer-Quibir, em que os dois irmãos se distinguem com ações preclaras. Nesta parte da obra encontram-se os melhores versos saídos da pena de Bento Teixeira.



    
            PROSOPOPÉIA 

I
Cantem Poetas o Poder Romano,
Sobmetendo Nações ao jugo duro;
O Mantuano pinte o Rei Troiano,
Descendo à confusão do Reino escuro;
Que eu canto um Albuquerque soberano,
Da Fé, da cara Pátria firme muro,
Cujo valor e ser, que o Céu lhe inspira,
Pode estancar a Lácia e Grega lira.
II
As Délficas irmãs chamar não quero,
Que tal invocação é vão estudo;
Aquele chamo só, de quem espero
A vida que se espera em fim de tudo.
Ele fará meu Verso tão sincero,
Quanto fora sem ele tosco e rudo,
Que por razão negar não deve o menos
Quem deu o mais a míseros terrenos.
III
E vós, sublime Jorge, em quem se esmalta
A Estirpe d'Albuquerques excelente,
E cujo eco da fama corre e salta
Do Carro Glacial à Zona ardente,
Suspendei por agora a mente alta
Dos casos vários da Olindesa gente,
E vereis vosso irmão e vós supremo
No valor abater Querino e Remo.
IV
Vereis um sinil ânimo arriscado
A trances e conflitos temerosos,
E seu raro valor executado
Em corpos Luteranos vigorosos.
Vereis seu Estandarte derribado
Aos Católicos pés vitoriosos,
Vereis em fim o garbo e alto brio
Do famoso Albuquerque vosso Tio.
             [...]


                       Gregório de Matos

 

Gregório de Matos Guerra (1623/1633-1696) nasceu na cidade da Baía, Brasil, entrou para o Colégio dos Jesuítas da Baía com catorze anos e, revelando grande arguição nos estudos, os pais mandam-no estudar Direito em Coimbra. Tornou-se bacharel e exerceu a advocacia em Lisboa. Regressou ao Brasil em 1678, depois de um desentendimento com o rei, e trabalhou como advogado na Baía. O seu pendor satírico, aliado a uma conduta desregrada, valeram-lhe, além da alcunha de «Boca do Inferno», o desterro em Angola. Após o cumprimento da pena, regressou definitivamente ao Brasil com 47 anos de idade, tendo vivido na Baía e depois no Recife. As suas composições poéticas denotam um ódio verrinoso com alternância de religiosidade e arrependimento. As suas Obras Poéticas foram publicadas em seis volumes.


DUALISMO = Refletindo o dualismo barroco oscilou  entre osagrado e o profano. Ora demonstrava aversão pelo sagrado, pelo religioso, escrevendo textos sensuais e pornográficos, ora seus poemas apresentavam uma profunda devoção a Deus e aos santos.

INSATISFAÇÃO= Vários textos mostram sua insatisfação com a vida na colônia e sua inadaptação ao ambiente baiano, freqüentemente criticado.
FUGACIDADE= Gregório de Matos deixou claro sua consciência sobre a transitoriedade da vida. Seus textos mostram freqüentemente as vaidades humanas como insignificantes e passageiras.
OUSADIA = Ao contrário do Padre Antônio Vieira que apresentava  um caráter mais conservador, com uma visão européia, Gregório de Matos é considerado um poeta inovador e irreverente. Mesmo adepto do cultismo, também cultivou o jogo de idéias presente no conceptismo.
Embora conhecido como poeta satírico, criticando não só as pessoas, mas também as instituições da época, Gregório de Matos apresenta uma obra vasta:
POESIA SACRA= Ou religiosa é marcada pelo conflito gerado entre a vida mundana e o a vida espiritual. Entre a consciência do pecado e o desejo de salvação. Vejamos um fragmento de sua poesia religiosa:
 ... Esta razão me obriga a confiar,
Que, por mais que pequei, neste conflito
Espero em vosso amor de me salvar
.”

POESIA AMOROSA= Na poesia amorosa, também encontramos a dualidade barroca oscilando entre o amor elevado, espiritual e o sensualismo e o erotismo do amor carnal. Vejamos dois fragmentos de sua poesia amorosa, em que o autor define o amor:
“ Ardor em firme coração nascido;
Pranto por belos olhos derramado;
Incêndio em mares de água disfarçado;
Rio de neve em fogo convertido:
Tu, que em um peito abrasas escondido;
Tu, que em um rosto corres desatado;
Quando fogo, em cristais aprisionado;
Quando cristal, em chamas derretido.”
------XXXXXX------
“O Amor é finalmente
um embaraço de pernas,
uma união de barrigas,
um breve tremor de artérias.
Uma confusão de bocas,
Uma batalha de veias, um rebuliço de ancas;
Quem diz outra coisa, é besta.”

Gregório de Matostambém escreveu textos de circunstância,
laudatórios, destinados a elogiar pessoas importantes da época, é a chamada POESIA ENCOMIÁSTICA. Em suas sátiras, criticou os vários tipos humanos de sua época, os costumes, os primeiros colonos nascidos no Brasil, conhecidos como “caramurus” e principalmente o relaxamento moral da Bahia, numa posição de recusa em relação à exploração da colônia. Vejamos um exemplo de sua sátira:
“Que os brasileiros são bestas
E estão sempre a trabalhar
Toda a vida por manter
Maganos de Portugal”

 






Pintura admirável de uma beleza
Vês esse Sol de luzes coroado?
Em pérolas a Aurora convertida?
Vês a Lua de estrelas guarnecida?
Vês o Céu de Planetas adorado?

O Céu deixemos; vês naquele prado
A Rosa com razão desvanecida?
A Açucena por alva presumida?
O Cravo por galã lisonjeado?

Deixa o prado; vem cá, minha adorada,
Vês de esse mar a esfera cristalina
Em sucessivo aljôfar desatada?

Parece aos olhos ser de prata fina?
Vês tudo isto bem? Pois tudo é nada
À vista do teu rosto, Caterina.



 

Agradecimento de uns doces a sua freira
Senhora minha, se de tais clausuras
Tantos doces mandais a uma formiga,
Que esperais vós agora que eu vos diga
Se não forem muchíssimas doçuras?

Eu esperei de Amor outras venturas,
Mas ei-lo vai, tudo o que é dar obriga,
Ou já ceia de amor, ou já da figa,
Da vossa mão são tudo ambrósias puras.

O vosso doce a todos diz: comei-me,
De cheiroso, perfeito e asseado;
Eu por gosto lhe dar comi e fartei-me.

Em este se acabando irá recado,
E se vos parecer glutão, sofrei-me
Enquanto vos não peço outro bocado.
 

Epitáfio para o Marquês de Marialva

Em três partes enterrado
está o corpo do Marquês
de Marialva: porque em dez
mil seu nome é venerado:
e foi destino acertado,
que em tanta parte estivesse,
para que o mundo soubesse,
que este valeroso Marte
morto assiste em qualquer parte,
como se ainda vivesse.


DESCREVE O QUE ERA REALMENTE NAQUELE TEMPO A CIDADE DA BAHIA DE MAIS ENREDADA POR MENOS CONFUSA

A cada canto um grande conselheiro.
que nos quer governar cabana, e vinha,
não sabem governar sua cozinha,
e podem governar o mundo inteiro.
Em cada porta um freqüentado olheiro,
que a vida do vizinho, e da vizinha
pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha,
para a levar à Praça, e ao Terreiro.
Muitos mulatos desavergonhados,
trazidos pelos pés os homens nobres,
posta nas palmas toda a picardia.
Estupendas usuras nos mercados,
todos, os que não furtam, muito pobres,
e eis aqui a cidade da Bahia.


          Padre Antônio Vieira



O Padre António Vieira (1608-1697) foi missionário, pregador, diplomata, político e escritor. Nasceu em Lisboa e aos sete anos parte com a família para a Baía, no Brasil, onde o pai exercia a função de secretário da Governação. Estuda no colégio jesuíta da Baía e ingressa na Companhia de Jesus, recebendo ordens em 1635 e iniciando nessa altura o seu trabalho como pregador. Em 1641 parte para Lisboa com o governador para apresentar ao rei D. João IV a adesão à causa da Restauração. O rei encarregou-o de várias missões diplomáticas na Holanda e em Roma. Não sendo bem sucedido nestes encargos, regressou novamente ao Brasil e dedicou-se à missionação dos índios. Após a morte de D. João IV, a Inquisição acusa-o de professar opiniões heréticas (1662-1667), mas é absolvido com a subida ao trono de D. Pedro II. Depois de novo e intenso período de trabalho como diplomata em Roma e como pregador, regressa definitivamente à Baía, onde morre com quase 90 anos de idade. Além dos Sermões (13 tomos publicados entre 1679 e 1699), escreveu Esperanças de Portugal, Clavis Prophetarum e História do Futuro.



SERMÕES (extractos)

SERMÃO DE SANTO ANTÓNIO AOS PEIXES
Pregado em S. Luís do Maranhão, três dias antes de se embarcar ocultamente para o Reino
Vos estis sal terrae.
S. Mateus, V, 13.
I
Vós, diz Cristo, Senhor nosso, falando com os pregadores, sois o sal da terra: e chama-lhes sal da terra, porque quer que façam na terra o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção; mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores não pregam a verdadeira doutrina; ou porque a terra se não deixa salgar e os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes dão, a não querem receber. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores dizem uma cousa e fazem outra; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que dizem. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores se pregam a si e não a Cristo; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, em vez de servir a Cristo, servem a seus apetites. Não é tudo isto verdade? Ainda mal!
Suposto, pois, que ou o sal não salgue ou a terra se não deixe salgar; que se há-de fazer a este sal e que se há-de fazer a esta terra? O que se há-de fazer ao sal que não salga, Cristo o disse logo: Quod si sal evanuerit, in quo salietur? Ad nihilum valet ultra, nisi ut mittatur foras et conculcetur ab hominibus. «Se o sal perder a substância e a virtude, e o pregador faltar à doutrina e ao exemplo, o que se lhe há-de fazer, é lançá-lo fora como inútil para que seja pisado de todos.» Quem se atrevera a dizer tal cousa, se o mesmo Cristo a não pronunciara? Assim como não há quem seja mais digno de reverência e de ser posto sobre a cabeça que o pregador que ensina e faz o que deve, assim é merecedor de todo o desprezo e de ser metido debaixo dos pés, o que com a palavra ou com a vida prega o contrário.


 
SERMÃO DA SEXAGÉSIMA
PADRE ANTÓNIO VIEIRA

Pregado na Capela Real, no ano de 1655.


Edição de Base:
Sermões Escolhidos, vol. II,
Edameris, São Paulo, 1965.





Semen est verbum Dei. S. Lucas, VIII, 11.
I
E se quisesse Deus que este tão ilustre e tão numeroso auditório saísse hoje tão desenganado da pregação, como vem enganado com o pregador! Ouçamos o Evangelho, e ouçamo-lo todo, que todo é do caso que me levou e trouxe de tão longe.
Ecce exiit qui seminat, seminare. Diz Cristo que «saiu o pregador evangélico a semear» a palavra divina. Bem parece este texto dos livros de Deus. Não só faz menção do semear, mas também faz caso do sair: Exiit, porque no dia da messe hão-nos de medir a semeadura e hão-nos de contar os passos. O Mundo, aos que lavrais com ele, nem vos satisfaz o que dispendeis, nem vos paga o que andais. Deus não é assim. Para quem lavra com Deus até o sair é semear, porque também das passadas colhe fruto. Entre os semeadores do Evangelho há uns que saem a semear, há outros que semeiam sem sair. Os que saem a semear são os que vão pregar à Índia, à China, ao Japão; os que semeiam sem sair, são os que se contentam com pregar na Pátria. Todos terão sua razão, mas tudo tem sua conta. Aos que têm a seara em casa, pagar-lhes-ão a semeadura; aos que vão buscar a seara tão longe, hão-lhes de medir a semeadura e hão-lhes de contar os passos. Ah Dia do Juízo! Ah pregadores! Os de cá, achar-vos-eis com mais paço; os de lá, com mais passos: Exiit seminare.

(Livro :Projeto Didatico de Pesquisa)

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